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Paternidade em tempos de pandemia: repensando o papel do pai nos cuidados com filhas e filhos

Com a quarentena, homens têm a oportunidade de dividir responsabilidades de forma igualitária e participar mais ativamente da rotina das crianças. Dois pais falam sobre suas experiências, confira

pai segurando a mão de suas filhas

Historicamente, as mulheres se dedicam mais aos trabalhos domésticos e aos cuidados com a família do que os homens. Segundo o relatório Tempo de Cuidar, da Oxfam, o valor monetário desse trabalho realizado gratuitamente por meninas e mulheres a partir de 15 anos chegaria a US$ 10,8 trilhões por ano. Para justificar essa situação desigual, muitos se apoiam na antiga crença de que o homem deve ser o provedor econômico enquanto a mulher deve cuidar da casa e dos filhos.

Mesmo no contexto em que cada vez mais mulheres estão inseridas no mercado de trabalho e contribuem de forma igualitária para o sustento da família, os cuidados com os filhos ainda tendem a recair mais sobre elas do que sobre seus parceiros. O período de quarentena devido à pandemia de COVID-19 pode oferecer uma oportunidade para repensar a divisão de responsabilidades e tarefas de forma que os pais assumam os cuidados com os filhos e filhas de maneira mais igualitária.

Segundo o relatório The State of the World’s Fathers, produzido pelo Promundo em parceria com diversas organizações, entre as quais a Plan International, para que 50% do trabalho não-pago de cuidados das crianças seja feito pelos homens, seria preciso que eles aumentassem em pelo menos 50 minutos o tempo gasto com os filhos.

O início da quarentena levou a poucas mudanças no dia a dia do músico Teo Cordeiro, pai de Miguel, de 7 anos, e de Lia, de 3. Desde o nascimento de seu filho mais velho, o cuidado com as crianças já é sua função principal. Ele avalia que este pode ser um momento de empatia em que os pais que não são responsáveis cotidianamente pelo cuidado com os filhos se darão conta das dificuldades envolvidas nessa rotina. “Uma das conclusões que esses pais vão ter é do quão complexa é a tarefa de lidar com as crianças no cotidiano, impor limites, entreter, dar comida, colocar para dormir.”

Teo é militante na luta por políticas públicas relacionadas à paternidade e participa de diversos debates e organizações ligadas ao tema, entre elas a Rede Nacional de Primeira Infância, onde é membro do grupo de trabalho Homens pela Primeira Infância.

O jornalista e fotógrafo Ismael dos Anjos, pai socioafetivo de Francisco, de 6 anos, afirma que este momento de crise pode oferecer uma chance para os pais olharem de maneira crítica para a forma como vinham exercendo a paternidade. Mas, para ele, a quarentena não é capaz de operar um milagre. “Em um contexto em que o homem estava acostumado a negligenciar o lado afetivo da relação com a criança, isso não vai mudar num passe de mágica”, diz.

Ismael avalia que a falta de participação dos pais nos cuidados dos filhos é um problema profundo, influenciado pelo modo como a geração anterior encarava a paternidade. “Para os que já estão fazendo uma paternidade diferente, é importante mostrar isso no círculo em que estão inseridos para que os outros entendam que existe essa possibilidade”, diz. O jornalista pesquisa sobre a questão da masculinidade, participa do coletivo Balaio de Pais (grupo que promove rodas de conversa, workshops e um podcast sobre paternidade) e recentemente coordenou o projeto do documentário “O Silêncio dos Homens”.

Para Ismael, é difícil apresentar uma receita de bolo de como os pais devem lidar com as crianças no período de quarentena. “O caminho é se responsabilizar e se colocar disponível para elas”, diz. “Se a companheira for a principal cuidadora, é importante ouvir, perguntar, prestar atenção, ver como as coisas estão sendo feitas e principalmente ouvir a criança, que sempre dá sinais do que quer fazer”, afirma Ismael.

Teo também ressalta a importância de observar a mãe das crianças. “Para os pais, acho que agora é importante ter certa postura de humildade, de escuta e observação da prática da mãe. É preciso ter um olhar atento a essa mãe que lida cotidianamente com as crianças”, diz o músico.

Com a experiência de quem cuida dos filhos em período integral, Teo afirma que os pais devem trabalhar para atingir alguns objetivos durante a quarentena. Em primeiro lugar, estabelecer uma rotina: determinar a hora certa das refeições, dos estudos, de brincar e de organizar os espaços. O segundo ponto é assumir tarefas reconhecidas como mais “chatas” e que historicamente os homens não costumam fazer, como dar banho, dar comida, levar ao banheiro, trocar fraldas, colocar para dormir. Em terceiro lugar, deve-se buscar uma moderação no uso das tecnologias. “Dados mostram que as crianças passam cada vez mais horas em frente à televisão. Se o pai não tiver ânimo e entusiasmo para propor algo que estimule e deixe a criança feliz, ela vai ficar mais feliz com a televisão.”

Ele ressalta que não basta propor atividades, mas é preciso ter entusiasmo e engajar as crianças em cada brincadeira ou tarefa. Teo também sugere que os pais busquem especialistas como a psicanalista Elisama Santos, autora do livro Educação Não Violenta. Ela publica vídeos semanais em seu canal do YouTube sobre educação infantil.

A quarentena também pode ser um momento propício para ensinar sobre alguns conceitos como a coletividade, segundo Ismael. Ele conta que o filho Francisco fez aniversário recentemente. A festa planejada, que teria a presença da família, dos amigos e uma caça ao tesouro numa praça, acabou acontecendo de forma completamente virtual. O bolo foi dividido e distribuído na casa dos amigos, que cantaram parabéns on-line. “Ele ficou mexido, incomodado, mas entendeu que era um risco”, diz Ismael. “É uma oportunidade de ensinar os filhos a viver em comunidade. As medidas não são só para você não ficar doente, mas para proteger os outros, para não sobrecarregar o sistema de saúde.”

Ismael lembra ainda de um lado negativo da quarentena: o aumento do índice de violência doméstica nesse período. “É preciso ter uma corresponsabilidade pelo que está acontecendo em volta, na casa dos vizinhos. Ficar atento às movimentações e conscientizar nossos amigos. Checar como eles estão, se está havendo discussões em casa, oferecer ajuda.”