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Pesquisa Real Choices, Real Lives aponta que meninas não podem falar abertamente sobre sexo e educação sexual

Tempo de leitura: 5 minutos

2 de fevereiro de 2023 - Tempo de leitura: 5 minutos

Estudo divulgado durante a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência constata que a educação sexual ainda é mais sobre ‘não engravidar’ do que sobre direitos, saúde e educação para muitas adolescentes

Um novo estudo divulgado pela Plan International destaca que a educação sexual para adolescentes ainda é orientada por normas sociais rígidas e conservadoras em muitos países. Frequentemente, as informações recebidas têm foco em evitar a gravidez, em vez de prestar esclarecimentos sobre os direitos, a saúde e a educação. O estudo é um recorte da pesquisa Real Choices, Real Lives, que está sendo realizada há 17 anos em nove países, inclusive no Brasil.

No país, todos os dias, 1.150 bebês nascem de mães adolescentes. A gravidez precoce é um problema crônico, que afeta principalmente meninas negras e pobres. E a maternidade na adolescência tem uma série de consequências com impactos profundos para o futuro das meninas. A prevenção das gestações precoces é uma preocupação fundamental, pois duas a cada três gestações na adolescência são não intencionais.

Como parte de seus objetivos prioritários, a Plan se concentra nos direitos das meninas, e quer ver uma comunicação mais aberta sobre sexo e educação sexual, garantindo que a segurança das jovens esteja no primeiro plano das discussões. “O estudo mostra que, embora as meninas estejam alcançando a adolescência mais precocemente, elas ainda são consideradas jovens demais para aprender sobre questões sexuais e reprodutivas”, explica Isobel Fergus, coordenadora da pesquisa.

“Quando elas recebem as primeiras orientações sobre ciclo menstrual, saúde sexual e reprodutiva, a abordagem se restringe a evitar consequências negativas do sexo. Mesmo quando as meninas entram mais tarde na adolescência, o assunto ainda é considerado um tabu”.

O estudo Real Choices, Real Lives está acompanhando a vida de meninas e suas famílias em nove países desde que elas nasceram, em 2006. Em 2021, quando foram coletados os dados mais recentes, 118 meninas e suas famílias, todas de comunidades rurais ou semiurbanas em países em desenvolvimento, fizeram parte do estudo. A pesquisa vai continuar até que as adolescentes completem 18 anos, em 2024, oferecendo uma visão única sobre o ciclo de vida das meninas, e sobre as escolhas, decisões e realidades que moldam suas vidas.

“Ter uma pesquisa dessa amplitude, que está acompanhando as meninas ao longo de 18 anos, é muito importante. Assim temos achados relevantes que muitas vezes não são percebidos em estudos pontuais e podem contribuir diretamente para a construção de políticas públicas mais eficazes”, afirma Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.

O estudo está sendo realizado no Brasil e em outros países como Benin, Camboja, El Salvador, Filipinas, República Dominicana, Togo, Uganda e Vietnã. Cada etapa do estudo inclui entrevistas com os pais e responsáveis pelas meninas, e com elas mesmas, a partir dos seis anos de idade.

A gravidez na adolescência

Aqui no Brasil, temos programas e projetos que atuam diretamente no empoderamento das meninas e trazem à tona questões relacionadas à gravidez na adolescência, ao casamento infantil e à educação sexual. As turmas da Escola de Liderança para Meninas na Bahia, por exemplo, têm aulas específicas sobre saúde menstrual e reprodutiva, assim como já ocorreu com meninas no Maranhão e no Piauí. O projeto La League, que está começando uma nova fase em São Luís, orienta as meninas sobre a gestação precoce e o casamento infantil.

“Saber sobre saúde sexual e reprodutiva, direitos sexuais e direitos reprodutivos é fundamental e não somente por causa da gravidez na adolescência ou não intencional, mas porque desfrutar e ter consciência sobre nossa sexualidade não tem a ver apenas com fazer sexo de forma segura e bem-informada. Tem a ver também com escolher livremente com quem iremos construir nossas relações afetivas, com saber nos proteger de violências, de abuso e exploração sexual, de como perceber nosso corpo, seus limites e possibilidades e como podemos nos perceber no mundo enquanto sujeitas e sujeitos de direitos de forma consciente”, afirma Ana Nery Lima, especialista em gênero e inclusão na Plan International Brasil.

“É muito importante que não tenhamos barreiras para falar sobre o tema de sexualidade seja no ambiente privado ou na família, assim como em ambientes públicos como a escola. Conversar e refletir sobre o tema pode garantir um presente e um futuro com mais segurança para meninas e mulheres”, aponta Ana Nery.

Para Isobel Fergus, coordenadora da pesquisa, “controlar a sexualidade das adolescentes é uma atitude conservadora, que visa evitar que elas se tornem sexualmente ativas antes do casamento. Um alto valor é dado à abstinência, geralmente tratada nos termos de proteção das meninas, para impedir sua mobilidade – e, assim, se coloca culpa sobre as garotas em circunstâncias de estupro ou gravidez precoce”.

No Brasil, as meninas que engravidam ainda na adolescência têm mais probabilidade de atrasar ou de abandonar os estudos e de não profissionalizarem. Estudos apontam que as mães adolescentes também realizam menos acompanhamento pré-natal, o que aumenta ainda mais os riscos para elas e para as crianças.

O peso da opinião de outras pessoas

Segundo Isobel, o principal conselho que mães, pais e cuidadores dão às meninas é para que evitem os meninos, e que não permitam que ninguém as ‘toque’. “Isso coloca sobre a menina a obrigação de se proteger contra a gravidez indesejada e, até mesmo, contra estupro e outras formas de violência sexual”.

O estudo conclui que as meninas são tratadas de formas diferentes por seus cuidadores, e que também há regras e expectativas distintas para elas tanto em casa quanto nas comunidades. São normas de gênero nocivas, que controlam a sexualidade das meninas. Há também a defesa de ideais danosos sobre feminilidade, que prevalecem nessas comunidades, de acordo com a pesquisa, e se tornam mais rígidos à medida que as meninas passam pela adolescência.

Os dados mostram que há uma forte associação entre a primeira menstruação (menarca) e o início da vida adulta, de modo que a menina deve começar a se comportar como mulher. “Eu falo para ela que há muito perigo agora… Porque existe o risco de ela engravidar. Ela já tem corpo de mulher, já menstruou, e o risco é engravidar, sair por aí e alguém fazer mal a ela”, disse a mãe e responsável por Larissa, também de São Luís.

A pesquisa também aponta que as crenças e atitudes de mães, pais e cuidadores/as sobre a saúde sexual e reprodutiva são frequentemente repercutidas pelas próprias meninas. Elas começam a fiscalizar seus próprios comportamentos e de suas colegas, repetindo discursos sobre como uma garota deve se comportar, garantindo a manutenção dos estigmas e da vergonha para as meninas que frustrarem as expectativas da sociedade.

Na América Latina e no Caribe, algumas meninas demonstraram consciência, e geralmente estavam de acordo com os alertas das mães sobre as consequências negativas da falta de informação. “Eu acho que foi muito difícil para ela me ter aos 15 anos. Ela sequer terminou os estudos, não foi para a universidade. Eu acho que ela deveria ter concluído os estudos e ter ido para a universidade antes de ter um relacionamento”, disse Juliana, 15 anos, de São Luís.

“Está claro tanto que as meninas querem que seus responsáveis deem mais informações sobre saúde sexual e reprodutiva quanto que mães, pais e cuidadores querem mais apoio para se comunicarem de maneira mais efetiva sobre o assunto com as adolescentes”, diz Isobel.

Campanhas

Como parte da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, a Plan está realizando uma campanha nacional em suas redes sociais e também localizada no Maranhão, onde acontece o projeto Adolescentes Multiplicando Saúde. Uma das temáticas da iniciativa é a gravidez na adolescência. A campanha terá posts nas redes entre os dias 1 e 8 de fevereiro, cartilhas para adolescentes, pais e educadores, além de cartazes para fixação em escolas e busdoor. A campanha tem realização da Plan em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Luís (MA), com o Instituto Planejamento Familiar e com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Conta ainda com o apoio do Grupo Mulheres do Brasil e do Instituto Liberta.

A Plan também integra a campanha Gravidez na Adolescência: Engravidar Tem Hora e Não É Agora, do Instituto Planejamento Familiar. A campanha também tem o apoio do Grupo Mulheres do Brasil, JC Decaux, Vinte Vinte Studios, Produtoras e Círculo de Criativas.