25 de março de 2025 - Tempo de leitura: 4 minutos
Nos últimos anos, a conectividade excessiva e a polarização social têm causado impactos significativos na saúde mental e no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Estudos indicam que o tempo excessivo diante das telas tem contribuído para o aumento dos índices de ansiedade e depressão entre os jovens. Segundo uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% dos adolescentes no mundo sofrem de transtornos mentais diagnosticáveis, sendo que muitos desses casos estão diretamente ligados ao uso excessivo da tecnologia e às interações sociais mediadas pelo ambiente digital.
Essa realidade é retratada na série “Adolescência”, da Netflix, que apresenta os desafios enfrentados por jovens imersos em um mundo de hiperconectividade, redes sociais e pressões sociais intensificadas. O livro “Geração Ansiosa”, de Jonathan Haidt, também traz uma análise aprofundada sobre como o ambiente digital afeta a saúde mental da juventude, reforçando a necessidade de um olhar mais atento para as consequências psicológicas do uso excessivo das tecnologias. Em “Foco Roubado”, de Johann Hari, a discussão é sobre como a economia da atenção impacta diretamente a capacidade de concentração e bem-estar emocional, tornando essencial a reflexão sobre o modo como jovens, e adultos, interagem com a tecnologia.
Diante desse cenário, iniciativas que promovam o desenvolvimento social e emocional dos jovens são fundamentais. O projeto Líderes da Mudança, da Plan International Brasil, utiliza o esporte como ferramenta para transformar realidades e desafiar estereótipos de gênero. Acreditamos que a prática esportiva contribui para a construção de relações mais equitativas e saudáveis entre meninas e meninos. Com base em uma metodologia global desenvolvida pela Plan International chamada “Campeãs e Campeões da Mudança”, o projeto atua diretamente em comunidades em situação de vulnerabilidade, promovendo oficinas socioeducativas e esportivas voltadas para adolescentes de 12 a 17 anos.
O projeto visa a capacitar meninas e meninos para superarem desafios, fortalecerem a autoconfiança e adquirirem maior autonomia sobre seus corpos. A metodologia Campeãs da Mudança trabalha o empoderamento das meninas adolescentes e inclui atividades envolventes e adaptáveis que incentivam as meninas a desenvolverem conhecimentos, atitudes e habilidades com base em suas próprias experiências de vida.
Já o Campeões da Mudança, é o currículo voltado para os meninos adolescentes. As atividades possibilitam que eles entendam sobre masculinidades e tornem-se aliados das meninas, compreendendo que a igualdade de gênero traz ganhos para todas e todos. Os temas centrais dos dois currículos são: comunicação não-violenta e trabalho em equipe; igualdade de gênero; autoconfiança corporal; saúde e direitos sexuais e reprodutivos; e violências baseadas em gênero.
Em alguns momentos do projeto, a participação é conjunta e permite a desconstrução de papéis rígidos e a promoção da igualdade de oportunidades. Além disso, a prática esportiva está diretamente relacionada à prevenção de violência como o casamento infantil e a gravidez na adolescência, questões estruturais que afetam significativamente a qualidade de vida das meninas em diversas regiões do Brasil e do mundo. Dados do Banco Mundial (2019) apontam que o casamento precoce reduz em até 9% a escolaridade média das meninas, impactando negativamente sua renda e oportunidades futuras.
Enquanto projetos como o Líderes da Mudança promovem modelos positivos de masculinidade, um fenômeno preocupante cresce na internet: o movimento InCel (Involuntary Celibate). Esse grupo, formado por homens que se identificam como celibatários involuntários, dissemina discursos de ódio e ressentimento contra as mulheres, alimentando uma cultura de vitimização e misoginia. Relatórios do Southern Poverty Law Center alertam que fóruns InCel têm sido associados a casos de violência extrema, incluindo atentados e assassinatos em massa motivados por frustrações pessoais e sociais.
A ascensão desse movimento demonstra a urgência de discutir masculinidades saudáveis e de oferecer espaços para que os meninos possam expressar suas emoções e vulnerabilidades sem recorrer a discursos de ódio ou violência. No Líderes da Mudança, os módulos formativos incentivam os meninos a questionar normas rígidas de gênero e a compreender que a igualdade beneficia a todos. Entre os temas abordados estão:
O debate sobre masculinidades precisa ser ampliado para além dos espaços acadêmicos e chegar às escolas, comunidades e lares. Projetos como o Líderes da Mudança são essenciais para garantir que meninos e meninas possam desenvolver habilidades sociais, emocionais e cognitivas que lhes permitam construir um futuro mais igualitário. Além disso, a conscientização sobre os perigos de grupos como o movimento InCel reforça a importância de criarmos alternativas saudáveis de socialização para os jovens. O impacto das redes sociais e das novas tecnologias sobre a juventude, como explorado em “Adolescência”, “Geração Ansiosa” e “Foco Roubado”, reforça a necessidade de uma abordagem mais integrada entre educação, políticas públicas e projetos sociais.
Diante desse cenário, cabe a nós, enquanto sociedade, questionar e transformar os modelos de masculinidade que perpetuam desigualdades e violências. Mais do que aliados, os meninos precisam ser protagonistas na construção de novas referências de masculinidade, rompendo com normas rígidas que geram sofrimento tanto para eles quanto para aqueles ao seu redor. Nosso papel, enquanto organização da sociedade civil, educadores, famílias e comunidades, é criar espaços seguros e formativos para que os meninos possam se envolver ativamente na prevenção das violências de gênero e na promoção da igualdade entre meninas e meninos, entre homens e mulheres. A série “Adolescência” nos lança perguntas sem respostas definitivas, e talvez uma das mais importantes seja: como podemos construir, desde a infância, um caminho mais justo para todas as pessoas? Ainda há tempo de fazermos mais. Por eles. Por elas. Por todos nós.