O estudo também entrevistou líderes comunitários e religiosos, além de agentes públicos, especialistas e organizações da sociedade civil. A pluralidade dos grupos entrevistados é um dos diferenciais do estudo. “A pesquisa compara as pessoas casadas e não casadas, traz uma visão daquelas que estão em casamentos recentes e aquelas que já se casaram há algum tempo. Ganhamos na capacidade de análise das causas ao escutar também os meninos que não estão casados e os homens que se casaram com meninas”, afirma Viviana Santiago, gerente de gênero e incidência política da Plan International Brasil.
De forma geral, pode-se afirmar que as meninas se casam com homens mais velhos, com maior instrução formal e melhores perspectivas econômicas, o que as coloca em posição de desigualdade, sujeitas a violências de gênero. As funções conjugais exercidas pelo casal são marcantes e simbólicas: o homem em posição de provedor, responsável por trabalhar e levar dinheiro e proteção à família, e a mulher no papel de cuidadora da casa e dos filhos. Também é importante destacar que todos os entrevistados, sem exceção, não gostariam que seus filhos e filhas se casassem antes dos 18 anos, quebrando o ciclo familiar que ainda se repete em muitas famílias, especialmente nas localizadas em áreas mais rurais.
“O casamento infantil é prematuro, pois o início da vida conjugal é problemática para as meninas e adolescentes e concorre com outros direitos, como a educação. É também forçado, pois ressalta as desigualdades estruturais que propiciam essa realidade para meninas no mundo todo, estando bem longe de ser uma escolha, ao levarmos em conta as baixas perspectivas que elas têm”, afirma Cynthia Betti, diretora-executiva da Plan International Brasil.
Principais causas e consequências
As conversas nos grupos focais contribuíram para ressaltar como o casamento infantil é um fenômeno multicausal, que precisa de uma leitura abrangente e complexa para ser compreendido. Nas cidades baianas da amostra pesquisada, os casamentos e as uniões foram motivados por quatro causas principais: gravidez, perda da virgindade, saída de lares conflituosos e desejo/amor.
Já na maranhense Codó, as motivações foram mais diversas, incluindo, além das causas já citadas, o desejo pela maternidade, a proteção contra a violência e a sanção da comunidade. Outra causa frequente relatada por entrevistados especialistas nacionais foi a vulnerabilidade socioeconômica das meninas, menos citada nos grupos focais, mas também importante nesse fenômeno.
As questões envolvendo a vivência da sexualidade são as mais frequentes entre as causas nos grupos focais da pesquisa. Meninas e meninos querem começar a vida sexual, mas esbarram em pontos como a falta de informação sobre sexualidade, como evitar uma gravidez não desejada e ainda no julgamento de suas comunidades – com papéis de destaque para a sanção moral familiar e religiosa de que as meninas só poderiam deixar de ser virgens ao se casar, por exemplo.
Essa pressão social antecipa os casamentos. Por isso, grande parte das uniões formais ou informais acontecem depois de um período curto de relacionamento amoroso – de um mês a um ano. Entre os participantes do estudo, apenas um casal namorava havia quatro anos quando se casou. Em geral, as meninas têm suas primeiras relações afetivo-sexuais com os futuros maridos ou companheiros.
“Acreditamos que as questões mais evidenciadas no estudo – gênero e sexualidade – parecem abranger diferentes públicos e contextos, sendo difícil delimitar um grupo ou local. Por outro lado, é possível que haja pontos de concentração, a depender das características sociais, econômicas e culturais de determinados locais e grupos sociais e do nível de investimento público (ou a ausência dele) ali realizados”, afirma Daniella Rocha Magalhães, coordenadora técnica da pesquisa.
Segundo ela, agentes públicos de Codó, no Maranhão, apontaram que pode haver maior incidência de casamentos infantis em comunidades rurais e tradicionais, como as quilombolas, na cidade.
As consequências mais diretas do casamento infantil são a gravidez precoce, o abandono escolar e a perpetuação do ciclo de dominação e reprodução das desigualdades de gênero. As meninas sofrem com a intensificação do trabalho doméstico e com a entrada precária ou tardia no mercado de trabalho – já que a falta de profissionalização geralmente impede essa chegada ao mercado formal. Outras consequências são a violência doméstica, o despreparo emocional e psíquico, a limitação dos projetos de vida, a perda de liberdade e mobilidade.
O atraso e o abandono escolar foram superiores na amostra da pesquisa no Maranhão, tanto para meninas e mulheres quanto para homens casados. Das sete meninas casadas entrevistadas em Codó, apenas uma continuava estudando. Em alguns casos, a evasão escolar ocorreu até antes do casamento e não como consequência dele. A combinação de gravidez, casamento/união forçada e serviço doméstico acaba sendo um motivador para a baixa escolaridade das meninas e mulheres da pesquisa.
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