A Plan International vem produzindo há mais de uma década pesquisas relevantes sobre o impacto das mudanças climáticas nos direitos das crianças e das meninas. A partir dos resultados, a organização também incentiva estilos de vida sustentáveis por meio de seus projetos de formação. E são muitos os desafios.
Neste mês de setembro, várias greves gerais pelo clima foram agendadas em cerca de 150 países, inclusive no Brasil, onde a greve acontece em São Paulo. É uma tentativa de forçar políticos e líderes empresariais a agirem imediatamente. Mudanças climáticas afetam a saúde (medo, ansiedade, estresse), a educação (perda de aulas, dificuldade em adquirir conhecimento e, consequentemente, de melhores chances de trabalho e remuneração), a qualidade de vida (dificuldades de mobilidade, de tempo e espaço para lazer), entre outros fatores. Inclusive, a Plan é a única organização mundial que trabalha pelos direitos das meninas que participa regularmente das Conferências de Mudanças do Clima (COP).
A ativista sueca Greta Thunberg, 16 anos, é o atual grande exemplo de quanto vale incentivar meninas a se importarem com as transformações da natureza e se tornarem vozes questionadoras sobre o que de fato está sendo feito para evitar desastres e irresponsabilidades – como as queimadas na Amazônia. Ela é a líder do movimento das greves pelo clima e já inspirou 1,6 milhão de jovens em mais de cem países para se juntarem a ela em sua exigência por ações urgentes contra a crise climática. Sua mobilização trouxe a questão para os principais tópicos de conversas nas redes sociais, na imprensa e nas escolas pelo mundo.
A adolescente Greta Thunberg é um dos principais nomes do mundo que defendem a luta contra as mudanças climáticas
Marinel Ubaldo, 22 anos, de Tacloban City, nas Filipinas, é embaixadora jovem de mudança climática da Plan International. Ela está entre as pessoas que mandaram uma petição para a Comissão de Direitos Humanos das Filipinas exigindo uma investigação nas ações de empresas de combustíveis fósseis. “É importante pressionar os governos, eles precisam agir agora. É uma emergência. Quero que façam leis para combater as mudanças climáticas. Os governos podem obrigar as empresas a seguirem diretrizes ambientais, podem implementar leis para impedir que o lixo seja queimado. Eles têm os recursos para criar um grande impacto”, diz a ativista.
Grandes desafios
Em 2018, a Plan International divulgou diferentes relatórios sobre os impactos das mudanças climáticas em países onde atua. Na Tailândia, por exemplo, o levantamento jogou luz sobre desafios climáticos específicos enfrentados por meninas e jovens mulheres no Norte do país, como inundações e tempestades que pioraram nos últimos 50 anos. Isso dificulta a mobilidade e culmina em doenças como a leptospirose, uma infecção causada por bactéria e transmitida por animais, especialmente pelos ratos. Importante lembrar que meninas são fisicamente mais vulneráveis e as mudanças trazem condições desafiadoras para o corpo, além de facilitar que doenças se espalhem.
Também são riscos específicos para as garotas, verificados em relatórios globais da Plan, morrer durante os desastres climáticos; aumento de casamentos infantis forçados como uma “fuga” de problemas considerados maiores por suas famílias (como fome e pobreza); maior exposição à violência sexual em cenários caóticos; redução no tempo de educação e de desenvolvimento de habilidades para a vida, entre outros fatores.
Para Fernanda Tibério, bióloga e membro do Youth Climate Leaders e do Instituto Amani, além de voluntária da Plan International Brasil, a alteração nos regimes de chuva previstos no país, com a intensificação das mudanças climáticas, são o que chamam mais atenção atualmente como algo que pode afetar meninas brasileiras. “Secas e enchentes já representam perdas enormes de vidas e de produtividade. Com a intensificação dos períodos de seca, o acesso à água pode ser dificultado, prejudicando a produção de alimentos, especialmente para produção familiar.”
Assim, é possível um aumento na pressão sobre a saúde de mulheres e meninas, que frequentemente são responsáveis pela coleta de água, cultivo e preparo de alimentos. O esforço adicional nos trabalhos domésticos também aprofunda as desigualdades de gênero no acesso à educação e ao trabalho.
Áreas florestais brasileiras sofrem com o desmatamento e também influenciam o fenômeno das mudanças climáticas no nosso planeta
Fernanda reforça que o alastramento e a intensidade dos incêndios na Amazônia são também resultado da intensificação dos períodos de seca. “No caso de comunidades indígenas e ribeirinhas, há o risco de perderem tudo. Casas e comunidades inteiras, além de seus meios de produção e coleta de alimentos. Considerando que a maioria das crianças já não tem acesso a serviços básicos, é um cenário de caos e elas estão expostas às condições de desastres humanos, incluindo necessidade de migração e conflitos”, diz Fernanda.
A projeção de futuro também é impactada na vida dos jovens quando se fala de mudança climática. “Gera um colapso econômico, social e ambiental que se reflete nas realidades das crianças, principalmente das meninas”, diz Amanda Costa, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na ONG Engajamundo. “São necessárias reflexão e revisão em relação ao atual modelo de desenvolvimento, para que sejam criadas políticas públicas com foco em inclusão, participação e mobilização da juventude. Investir na educação climática também é uma estratégia poderosa.”
Daltro Paiva, coordenador de projetos no Escritório Regional de Belém (Pará) do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), afirma que é preciso considerar os impactos do clima para crianças e meninas que vivem no meio rural, mas sem esquecer as que vivem no meio urbano. “Porque haverá impactos comuns, como o aumento do desconforto térmico pelos períodos mais prolongados de calor, assim como a ocorrência de eventos extremos com maior frequência. No caso da Amazônia, especialmente secas prolongadas e enchentes mais recorrentes.”
O especialista ressalta que esse contexto de eventos extremos altera de forma radical o cotidiano das pessoas. Por exemplo, aumento da dificuldade de mobilidade, do acesso aos equipamentos públicos, alteração dos ciclos agrícolas e crescimento da insegurança alimentar. “Neste sentido, geram-se situações de sofrimento para as populações atingidas e dentre elas, aqueles segmentos mais vulneráveis, como as crianças e as meninas”, diz Daltro.
No caso da Amazônia, um levantamento do Projeto Vulnerabilidade à Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e da Fundação Oswaldo Cruz, em 62 municípios do Amazonas, identificou aqueles mais expostos à mudança do clima na região nos próximos 25 anos: Careiro da Várzea, Parintins, Urucurituba, Boa Vista do Ramos, Nhamundá, Canutama, Lábrea e Boca do Acre, além da Região Metropolitana de Manaus.
Destacam-se a disseminação de doenças respiratórios de forma imediata e o comprometimento da saúde em geral com as queimadas. No longo prazo, a perda de biodiversidade e as alterações nos territórios das comunidades rurais comprometem a permanência de crianças e suas famílias nesses locais, causando deslocamentos forçados.
O que fazer
Na agenda climática, há ações de mitigação e adaptação. Fernanda diz que, em termos de mitigação, é necessário agir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em termos de adaptação, é preciso identificar as áreas de risco social a partir das previsões de mudanças climáticas já existentes para o território nacional. “E desenvolver planos e políticas específicas dentro das áreas de saúde, segurança, educação que permitam criar infraestruturas e ferramentas para que as populações locais estejam preparadas para os efeitos. Precisamos de soluções locais para enfrentar as mudanças de forma contextualizada.”
Para Daltro, não se trata somente de implantar mecanismos de desenvolvimento limpo ou tecnologias de redução de impacto dos processos produtivos. “É necessária uma mudança de paradigma civilizatório. Sem perder o caráter de necessidade, urgência e cotidianidade desta mudança de rumos, imediatamente se deve produzir informação de qualidade sobre os impactos já em curso pelas mudanças climáticas, assim como dos impactos potenciais, de maneira que as políticas públicas consigam ser formuladas de forma mais qualificada e com foco nas pessoas, neste caso, as crianças-meninas.”