A maior pesquisa já feita sobre violência on–line mostra que 19% das meninas abandonaram ou reduziram o uso de redes sociais depois de serem assediadas
5 de outubro de 2020 - Tempo de leitura: 5 minutos
A maior pesquisa já feita sobre violência on–line mostra que 19% das meninas abandonaram ou reduziram o uso de redes sociais depois de serem assediadas
Praticamente oito a cada 10 meninas e jovens mulheres já sofreram com assédio on-line no Brasil. A estatística chocante é uma das descobertas da pesquisa Liberdade on-line? – Como meninas e jovens mulheres lidam com o assédio nas redes sociais, realizada pela ONG Plan International Brasil com 14 mil meninas de 15 a 25 anos em 22 países, incluindo o Brasil, onde 500 meninas participaram. Em um país onde 90% das entrevistadas afirmaram que usam as redes sociais com frequência, os números preocupam ainda mais. No mundo todo, a pesquisa apontou que 58% das meninas já foram assediadas ou abusadas on-line. Aqui no Brasil, a pesquisa será apresentada no seminário Conectadas e Seguras – Desafios para a presença de meninas no espaço on-line, em 8 de outubro, a partir das 17 horas, em parceria com o Ministério Público de São Paulo e a Escola Nacional do Ministério Público, com transmissão pelo YouTube do MPSP. Entre as convidadas do evento estão nossa embaixadora, a jornalista Ana Paula Padrão, a promotora de justiça Fabíola Sucasas, a diretora da Safernet, Juliana Cunha, e a gerente de bem-estar e Segurança do Facebook, Daniele Kleiner.
O estudo, que faz parte da campanha mundial Meninas Pela Igualdade, destaca que os ataques são mais comuns no Facebook e no Instagram. Entre as jovens que afirmam ter sofrido assédio, 62% das brasileiras disseram que a situação aconteceu no Facebook (39% no estudo global) e 44% no Instagram (23% no global). No país, os ataques via WhatsApp também são relevantes, com 40%. Por isso, as meninas e jovens mulheres exigem ações urgentes das empresas de mídia social: 44% dizem que essas companhias precisam fazer mais para protegê-las.
Juntas, as meninas escreveram uma carta aberta ao Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, convocando-os a quebrar o silêncio e criar formas mais fortes e eficazes de denunciar abusos e assédio. A Plan International também está pedindo aos governos no mundo todo para que implementem leis específicas para lidar com a violência on-line baseada em gênero e garantir que as meninas que sofrem isso tenham acesso à justiça. A carta está disponível em plan-international.org/sign-the-letter e aberta para a assinatura de todas e todos.
O estudo descobriu que meninas que usam mídia social em países de alta e baixa renda estão cotidianamente sujeitas a mensagens explícitas, fotos pornográficas, perseguição on-line e outras formas angustiantes de abuso. O problema, segundo elas apontam é que as ferramentas de denúncia são ineficazes para impedir o assédio.
A violência on-line fez com que quase uma em cinco (19%) das meninas assediadas no mundo parassem ou reduzissem significativamente o uso da plataforma onde a violência ocorria, enquanto uma em dez (12%) mudou a forma de se expressar. No recorte brasileiro da pesquisa, 39% das meninas que já sofreram assédio on-line ignoraram seus assediadores e continuaram usando a rede social da mesma forma.
O abuso também prejudica a vida offline das meninas, com uma em cada cinco (22%) das entrevistadas dizendo que elas ou uma amiga ficaram preocupadas por sua segurança física. Entre as brasileiras, 46% das meninas e de suas amigas enfrentam mais assédio nas redes sociais do que na rua.
“Embora esta pesquisa tenha como base as conversas com mais de 14 mil meninas em vários continentes, elas compartilham experiências semelhantes de assédio e discriminação”, afirma Anne-Birgitte Albrectsen, CEO da Plan International. “Esses ataques podem não ser físicos, mas geralmente são ameaçadores, implacáveis e limitam a liberdade de expressão das meninas. Tirar as meninas dos espaços on-line é extremamente enfraquecedor em um mundo cada vez mais digital e prejudica sua capacidade de serem vistas, ouvidas e se tornarem líderes”, complementa.
No estudo global, o tipo de ataque mais comum é a linguagem abusiva e insultuosa, relatada por 59% das meninas que foram assediadas, seguido por constrangimento proposital (41%), vergonha do corpo e ameaças de violência sexual (ambos 39%). No Brasil, os números registrados apresentaram algumas diferenças: o ataque mais comum também foi a linguagem abusiva e insultuosa (58%), seguido de ataques à aparência, incluindo vergonha do corpo (54%) e constrangimento proposital (52%). Aqui, os comentários racistas (41%) e os homofóbicos (40%) tiveram percentuais relevantes.
Mais da metade (54%) das meninas brasileiras que são de uma minoria étnica e sofreram abusos afirmam que são atacadas por causa de sua raça ou etnia, enquanto quase a metade (44%) das que se identificam como LGBTIQ+ afirmam que são assediadas por causa de sua identidade de gênero ou orientação sexual. No mundo, a questão homofóbica é ainda pior, com 56%.
“As comunidades e famílias devem engajar as meninas no tema de forma que elas se sintam seguras em falar sobre assédio on-line ao saberem que receberão todo o apoio necessário. A sociedade civil deve desenvolver e disseminar a educação sobre cidadania digital, aumentando a conscientização a respeito das oportunidades e riscos de estar on-line”, afirma Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.
A voz das meninas
As meninas relatam que as situações de assédio on-line começam cedo. A faixa etária mais frequente é entre os 12 e os 16 anos, mas testemunhos de garotas que foram assediadas pela primeira vez entre os 8 e os 11 anos. Em tese, a idade mínima para o uso das redes sociais é a partir dos 13 anos, mas sabe-se que na prática acontece antes disso em muitos casos, com ou sem a supervisão de mães, pais e responsáveis. O assédio também é praticado majoritariamente por pessoas estranhas (47%), anônimas (38%) e fora do círculo de amizade (38%), segundo relatado por meninas brasileiras.
Descrevendo sua experiência de usar redes sociais quando menina, uma jovem de 20 anos do Sudão disse: “Eu costumava receber muitas mensagens de meninos me pedindo para mandar nudes ou me chantageando sobre uma foto que postei. Ou geralmente me falando palavrões. Naquela idade foi, honestamente, horrível. Então, foi o pior momento da minha vida, entre 9 e 14 anos”.
Embora uma em cada três meninas (35%) na pesquisa global tenha denunciado os abusadores, a situação persiste porque eles abrem novas contas e um número significativo de pessoas precisa denunciar o conteúdo prejudicial antes que qualquer ação seja tomada. As meninas têm consciência disso. “Eu bloquearia [o abusador], mas ele criaria mais perfis e continuaria enviando fotos minhas”, afirma uma menina de 17 anos que vive no Equador.
O assédio tem um impacto profundo na confiança e no bem-estar das meninas, com 41% dizendo que cria estresse mental e emocional, 39% com sensação de insegurança física e 29% com baixa na autoestima e perda de confiança.
Acesso à internet
No Brasil, a questão do acesso à internet também é uma discussão relevante. Por isso, tanto aqui quanto na América Latina, a campanha da Plan International também carrega a hashtag #ConectadasESeguras. Cerca de 70 milhões de brasileiros têm acesso precário à internet ou não têm qualquer acesso, de acordo com os dados mais recentes (2018) da pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor de Internet no Brasil. Mais de 42 milhões de pessoas nunca acessaram a rede e mais de 25 milhões das pessoas em situação socioeconômica mais vulnerável só acessam a internet pelo celular com pacotes de dados limitados. Entre quem acessa a rede com regularidade, em média 56% só têm o celular como meio disponível. Esse número aumenta para 85% nas classes D e E.
As desigualdades na conexão não estão relacionadas apenas a ter o serviço disponível, mas também à qualidade da conexão. Até nas grandes cidades, as regiões periféricas costumam não ter a mesma disponibilidade de opções de serviço que os bairros nobres.
“Sempre contamos que vivemos em um mundo inteiramente conectado, mas isso não é verdade. Existem milhões de pessoas sem acesso à internet e não garantir esse acesso é fazer com que essas pessoas fiquem para trás”, afirma Viviana Santiago, gerente de gênero e incidência política na Plan International Brasil. “Acreditamos que estar conectadas é um direito de cada uma e de todas as meninas, mas estando conectadas as meninas precisam vivenciar um espaço seguro, livre de violências. A violência on–line tenta expulsar as meninas da internet da mesma maneira que diariamente tentam expulsar meninas e mulheres das ruas. A violência on-line é grave, causa danos reais e silencia a voz das meninas. Não aceitamos isso.”
Dados da pesquisa mundial
A pesquisa Liberdade on-line? – Como meninas e jovens mulheres lidam com o assédio nas redes sociais entrevistou meninas e jovens mulheres em 31 países, sendo que 14.071 meninas fizeram parte do estudo quantitativo realizado em 22 países, conduzido para a Plan International pela Kantar e pela Ipsos entre 1 de abril e 5 de maio de 2020. Além disso, a pesquisa também contou com entrevistas qualitativas aprofundadas.
Entre os países do estudo quantitativo estão Alemanha, Austrália, Benin, Brasil, Canadá, Colômbia, Equador, Espanha, EUA, Filipinas, Gana, Guiné, Holanda, Índia, Indonésia, Japão, Nigéria, Noruega, Quênia, República Dominicana, Tailândia e Zâmbia. As meninas foram questionadas sobre suas experiências de uso do Facebook, Twitter, Instagram, Tik Tok, Snapchat, WhatsApp, WeChat, YouTube e Line.