“Trago meu desejo de contribuir para que as meninas sejam mais vistas e de conseguir que o novo normal nos inclua de alguma forma”, disse Auricélia, de 17 anos, de Teresina (PI), inaugurando a fala das meninas durante o encontro.
O primeiro tema abordado pelas participantes foi a educação e o impacto da pandemia nos estudos. As meninas trouxeram à tona questões importantes como a dificuldade de acesso à internet para estudar de forma remota e o fato de que as meninas têm sido prejudicadas em relação aos seus irmãos por terem mais responsabilidades domésticas durante a pandemia, o que as impede de se dedicarem integralmente às aulas.
“Como atingir com ensino à distância uma criança de comunidade indígena que não tem nem TV?”, questionou Juliana, de 20 anos, de Roraima. Luiza, de 17 anos, do Maranhão, teme que o número de meninas no Ensino Superior diminua por causa da pandemia. “Como as meninas vão estudar em casa sendo que precisam cuidar de tudo, cuidar dos irmãos, lavar a louça? Enquanto isso, os meninos conseguem estudar porque não têm nenhuma obrigação. Essa desigualdade afeta muito a educação.”
Outro tema discutido foi a violência contra crianças e adolescentes na quarentena. As participantes se mostraram conscientes sobre o aumento dos casos de violência sexual contra as meninas durante esse período, e sabem que muitos casos não são notificados por causa da dificuldade de acesso aos principais canais de denúncia.
“A gente cresce sendo deslegitimada e não percebe que a violência vai muito além da física”, disse Carolina, de 20 anos, do Rio Grande do Sul. “Neste momento de isolamento, eu estou isolada sozinha. Os homens se sentem muito mais confortáveis para nos atacar e se acham nesse direito”, acrescentou.
Juliana lembrou que é muito importante conversar com as amigas quando há algum tipo de violência dentro de casa. Para ela, a conversa com a família também pode ajudar no combate à desigualdade de gênero. “Aqui na minha casa tinha isso de só eu lavar a louça, fazer a comida. Pela conversa, consegui mudar. Essa forma de empoderamento é muito importante. Para mudar o mundo, a gente precisa primeiro mudar o nosso mundinho.”
O encontro também discutiu a questão da saúde e da perda de renda. Vitória, de 16 anos, de São João de Meriti (RJ), contou que sua mãe, que é diarista, perdeu vários trabalhos durante a pandemia. Em um dos empregos fixos, ela precisou continuar trabalhando para manter a renda, mesmo com toda sua família pertencendo ao grupo de risco. A mãe acabou ficando doente, assim como Vitória, mas elas resolveram não ir para o hospital com medo de pegarem Covid-19. “Demorou muito para a minha mãe pegar o auxílio emergencial e as contas estavam todas atrasadas. Foi um caos”, contou Vitória.
Ao abordar o tema do autocuidado e da resistência, as meninas compartilharam sua experiência sobre como estão fazendo para manter a saúde física e mental durante o período de isolamento. Itocovoti, de 19 anos, membro da etnia Pataxó, na Bahia, falou da importância de ter cuidado com a alimentação, relaxar a mente e não focar somente nas notícias ruins. “Fazer um cronograma me ajudou muito”, disse. Camila, de 19 anos, de São Paulo, afirmou que tem aprendido sobre o amor próprio. “É difícil ser uma mulher hoje, mas a gente precisa ter força. Conecto com a natureza, cuido das minhas plantinhas, faço ioga, fecho os olhos, respiro. A respiração para mim foi tipo um remédio.”
Viviana concluiu o encontro observando que as meninas não são o futuro, elas já são o presente. “As meninas são agora e é desse lugar do mundo que vocês podem e devem fazer a transformação. E já estão fazendo”, disse.