Mais de 300 entidades de direitos humanos, entre elas a Plan International Brasil, assinam nota de repúdio à Portaria no 2.282, de 27 de agosto de 2020, editada pelo Ministério da Saúde que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”. O grupo, coordenado pela Conectas Direitos Humanos, solicita também que o Congresso Nacional aprove com urgência o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 381/2020, que susta os efeitos da portaria dada sua ilegalidade.
Confira aqui a nota na íntegra
A medida, assinada pelo ministro interino, Eduardo Pazuello, prevê notificação obrigatória à polícia pela equipe médica, demais profissionais da saúde e até mesmo pelos responsáveis pelo estabelecimento que recebeu a paciente. A portaria foi emitida dias após o aborto realizado legalmente em uma criança de 10 anos, que foi estuprada no Espírito Santo.
O texto da portaria ainda torna o processo mais burocrático e constrangedor para a vítima de estupro, determinando quatro etapas para o procedimento, sendo o primeiro, o relato da vítima perante profissionais da saúde; depois, a elaboração de um parecer técnico com a assinatura de três integrantes da equipe de saúde; assinatura de um termo de responsabilidade pela vítima e, por fim, a assinatura da vítima em um novo termo de consentimento
“Não podemos aceitar que uma vítima seja exposta a outra violência como a que está sendo imposta com esta medida. A vítima deve ser acolhida, cuidada e ter seus direitos protegidos. Qualquer medida que fira este princípio não pode ser apoiada por uma sociedade justa e igualitária, fundamentada em direitos para todas e todos que fazem parte dela.”, diz Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.
Em entrevista à BBC Brasil, a psicóloga Daniela Pedroso, que atua há 23 anos em um serviço de referência de aborto legal é uma das principais especialistas sobre o assunto no país, afirma que a medida vai intimidar as pacientes e é uma tentativa de desestimular que as mulheres vítimas de estupro façam o aborto. Segundo a profissional, deve haver diminuição da procura do serviço nos hospitais. “Você está empurrando a mulher para o abortamento ilegal e aumentando o número de mortes maternas”, diz Pedroso, que também é membro do GEA (Grupo de Estudos sobre Aborto).
Para as organizações que assinam a nota de repúdio, a medida atenta contra o Código Penal, que não considera crime o aborto em caso de estupro ou de risco à vida da gestante; e a lei 12.845/2013, que regulamenta o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.