1 de novembro de 2012 - Tempo de leitura: 4 minutos
Quem participou da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no ano de 2012, pôde presenciar várias surpresas.
Uma delas foi uma menina negra, de baixa estatura, com sotaque bem marcado por regionalismos maranhenses e que falava com uma desenvoltura de impressionar. A pequena era Sanmya, de apenas seis anos de idade. Vinda de uma comunidade rural quilombola, pertencente ao município de Codó (Maranhão), ela fez a leitura de parte da Carta da Terra, foi a representante do seu estado na construção da Teia da Vida, iniciativa que pensava ações para preservar o Meio Ambiente, e realizou, junto a outras crianças da sua comunidade, uma quadrilha junina típica da sua cultura local.
A menina conquistou seu lugar naquele espaço graças à organização não-governamental Plan International Brasil, que convidou crianças e jovens para participar da conferência. Tudo começou quando quatro educadores da organização bateram na porta de sua escola e contaram sobre o projeto.
Pediram para que todos desenhassem em uma cartolina o que gostavam e o que não gostavam na comunidade onde moravam. Como a Rio+20 trazia discussões sobre sustentabilidade e preservação o meio ambiente, a garota representou em seu desenho os mutirões de lixo para limpar os rios. Sua espontaneidade para apresentar, sua empatia para se relacionar com os outros e sua falta de timidez a fizeram conquistar a equipe da instituição. Quando questionada sobre o motivo de querer participar, a garotinha não soube o que responder e fez o mesmo que muita gente de sua idade faria: chorou. Isso não foi problema. Nos dias seguintes, profissionais da Plan estavam em sua casa para conversar com sua família e pedir autorização para a menina participar do projeto.
“Foi bem impressionante desde o início. A cidade o Rio de Janeiro é muito diferente da minha comunidade, tem um monte de prédio, tem mar. Eu nunca tinha visto um prédio e o mar antes. As discussões também foram muito boas. Essas viagens nos trazem muitos conhecimentos. Todos os momentos e as conversas com outras pessoas fizeram a gente aprender mais, conhecer uma realidade diferente”, ela relembra, complementando que os educadores até as incentivavam a conversar com crianças de outros lugares do Brasil para trocar experiências.
Não é por acaso que Sanmya se impressionou tanto com a beleza e a estrutura do Rio de Janeiro. Pelo contrário, a realidade de onde ela vem é bem diferente da que encontrou na Cidade Maravilhosa. O povoado onde a estudante vive, é uma comunidade rural quilombola no município maranhense de Codó, manchada por diversas violações de direitos humanos, sobretudo contra mulheres.
Quando a menina descreve seu local de origem, parece se referir a um lugar onde falta tudo. Afastado das BRs maranhenses, é difícil de ser acessado. Algumas poucas casas de alvenaria dividem espaço com casebres de palha e de barro. Muitas são as ruas não asfaltadas, as moradas sem saneamento básico. O sistema educacional parece suplicar ajuda: além de professores com pouca formação, a escola vai apenas até o 9º ano, o que faz com que quem queira continuar a estudar tenha que pegar um ônibus diariamente e viajar até uma cidade próxima. O resultado é um alto índice de evasão escolar nesse ponto.
No passado, a Educação era ainda mais precária, já que a infraestrutura da escola não era adequada para receber os alunos. Quando agentes de campo da Plan se depararam com a construção onde aquelas crianças estavam tendo aulas, deteriorada pelo tempo e insegura para receber tanta gente, começaram a articular um projeto que viabilizasse a reforma do espaço. E foi o que fizeram. Reformaram as salas de aula, construíram uma sala de informática e projetaram um parquinho. “Esse espaço para brincar foi muito bom porque muitas crianças ficavam correndo na estrada, brincando no meio do mato e era muito perigoso passar um carro ou aparecer um bicho. Agora, todos ficam no parquinho seguras”, conta.
Depois de participar do projeto da Rio+20, Sanmya também foi uma das integrantes da iniciativa Futebol Feminino. Nele, aprendeu, por meio do esporte, sobre questões de gênero, como as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho, e igualdade. Compreendeu que mulheres não devem desistir dos seus sonhos ou se considerarem inferiores a um homem, não devem se privar de fazer algo por imposição social. “O projeto falava de violência e direitos das mulheres ao mesmo tempo em que nos ensinava a jogar futebol. Isso porque, assim como esse esporte pode ser jogado tanto por menino quanto por menina, nas outras partes da vida também deve ser assim. Além de eu aprender várias novidades, praticar esporte me ajudou bastante a sair do sedentarismo, já que eu não praticava exercício físico”, ela revela.
Para a garota, a presença da Plan na comunidade provocou uma verdadeira revolução. “Como o ensino na sala de aula está fraco, essas atividades que a ONG nos oferece fora da escola são muito importantes para a gente aprender, crescer. Isso nos ajudou muito. A presença da Plan aqui também foi muito importante para fazer os adultos ouvirem mais as crianças, para eles entenderem que elas também precisam ter voz, precisam ser ouvidas e respeitadas”, conta Sanmya.
Quando menciona os pais, a jovem cita, sem saber, um dos pontos fundamentais das iniciativas da ONG, que também objetiva fazer com que adultos reconheçam e valorizem as vozes de seus filhos, respeitando suas individualidades e a fase da vida em que se encontram a fim de que se desenvolvam com saúde e qualidade de vida. “Sem a Plan, seria muito mais difícil. Muito do que é hoje a minha casa e a minha comunidade veio com essa ONG, como a nossa escola reformada e o diálogo com os meus pais. Eles me apoiam em tudo que faço e estão sempre me incentivando a participar de mais atividades para ter um futuro melhor”, sintetiza.
Sanmya sabe que as iniciativas da Plan International Brasil só são possíveis graças aos investimentos de seus padrinhos, que apoiam os projetos financeiramente. Em seu caso particular, ela conta que eles moram na Áustria e já lhe enviaram cartas e presentes, além de sempre demostrarem preocupação com o seu desenvolvimento. “Graças aos projetos que eles patrocinam, eu me tornei mais sábia sobre os meus direitos, sobre como devo me comportar. A Plan abriu minha cabeça. Sem ela, eu não teria todas as oportunidades que eu tive de aprender. Conheço muitas meninas da minha idade que já estão grávidas e se casando. Antes, eu falava demais, mas não tinha o conhecimento do que estava falando. Essa ONG me trouxe bastante entendimento e me fez entender por que e quando falar. Hoje, eu sou multiplicadora dos projetos pelos quais passei, eu levo essas mensagens e essas informações que aprendi a mais e mais gente da minha comunidade, para mudar a vida delas assim como a Plan mudou a minha”, finaliza a estudante.