Tempo de leitura: 3 minutos
28 de junho de 2019 - Tempo de leitura: 3 minutos
Brasil, nos estados da Bahia (Salvador, Camaçari, Mata de São João) e Maranhão (Codó).
Plan International Brasil
O casamento prematuro, definido como a união – formal ou informal – de pelo menos um dos cônjuges com menos de 18 anos, é uma prática antiga e persistente no Brasil. Embora pareça distante do imaginário contemporâneo, muitos brasileiros e brasileiras convivem com histórias familiares que envolvem uniões precoces sem jamais questioná-las. Ainda hoje, esse fenômeno é raramente percebido como uma violação de direitos humanos, o que contribui para sua invisibilidade social e ausência nas políticas públicas.
O Brasil ocupa a sexta posição mundial (atualizado em 2024) em número absoluto de uniões envolvendo meninas, segundo dados citados pelo estudo conduzido pela organização Plan Brasil, em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Na América Latina e Caribe, está entre os cinco países com maior incidência. O fenômeno difere de outras regiões do mundo, como Ásia e África, onde casamentos infantis estão muitas vezes ligados a tradições e negócios familiares. No Brasil, frequentemente há um suposto “consentimento”, ainda que este deva ser relativizado diante das vulnerabilidades que cercam as decisões das meninas.
O estudo foi realizado nos estados da Bahia (Salvador, Camaçari, Mata de São João) e Maranhão (Codó), onde há incidência elevada de casamentos infantis. Foram utilizados dois níveis metodológicos: nacional (análise de dados secundários) e amostral (pesquisa de campo). Os dados primários foram obtidos por meio de 84 entrevistas semiestruturadas e 30 sessões de grupos focais, envolvendo diferentes atores sociais.
As principais motivações para as uniões precoces, segundo o estudo, são: gravidez de meninas e adolescentes, não planejada, desejo de constituir família, vivência da sexualidade, fuga de lares conflituosos, desejo de maternidade e necessidade de proteção contra violências e julgamentos sociais. Tais razões revelam que o casamento é, muitas vezes, uma resposta a carências e riscos sociais, e não uma escolha livre e informada.
As meninas são desproporcionalmente afetadas por essas uniões. Entre as consequências estão o aumento do trabalho doméstico, exclusão do mercado de trabalho, abandono escolar, restrição de liberdade e mobilidade, e falta de profissionalização. A média de idade dos cônjuges masculinos é 5,8 anos superior, e parte das uniões ocorre com meninas entre 10 e 14 anos, configurando estupro de vulnerável.
O estudo destaca que normas tradicionais de gênero e sexualidade reforçam o casamento precoce. O homem é associado ao papel de provedor e a mulher ao de cuidadora, perpetuando desigualdades. Os direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes ainda carecem de reconhecimento social, especialmente por instituições religiosas e familiares. No plano legal, o Código Civil brasileiro possui brechas que permitem exceções à idade mínima para o casamento, contrariando normas internacionais como a Convenção dos Direitos da Criança e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Apesar da gravidade e extensão do problema, o casamento infantil é socialmente invisível no Brasil. Não está inserido nas políticas públicas nem recebe atenção suficiente em campanhas de conscientização. A ausência de políticas e serviços voltados a adolescentes contribui para que o casamento se torne, erroneamente, uma via de ascensão social ou de saída de situações de risco.
A escola é reconhecida como espaço potencial de proteção, mas o tema ainda é negligenciado nas salas de aula. Questões como gênero e sexualidade enfrentam resistência de setores conservadores, dificultando uma abordagem crítica e educativa que poderia prevenir essas uniões precoces.
O estudo evidencia a complexidade do casamento infantil no Brasil, suas causas multifatoriais e impactos duradouros. Para enfrentá-lo, é necessário harmonizar o marco legal brasileiro com normas internacionais, promover campanhas de conscientização, fortalecer as políticas públicas e garantir o acesso de adolescentes à educação e oportunidades. A erradicação do casamento infantil passa pelo enfrentamento das desigualdades de gênero e pela garantia plena dos direitos da infância e adolescência.
Para conhecer o Estudo na íntegra baixe o PDF, clicando no botão abaixo: