12 de março de 2019 - Tempo de leitura: 5 minutos
Como é a infância de uma das meninas mais inspiradoras de uma cidade no nordeste do Brasil?
No caso de Flávia, de 17 anos, a primeira fase de sua vida não teve nada de especial, pelo contrário, foram dias marcados pela distância dos pais e, frequentemente, pela fome. Filha de uma mãe que engravidou aos 11 anos, a jovem nasceu em São Luís (MA) e se mudou ainda bebê para São José de Ribamar, no mesmo estado. Desde pequena, foi criada pela avó em um lar sustentado pela pesca e que, em períodos de estiagem, enfrentava sérias dificuldades financeiras. Numa comunidade pobre, foi mais uma, entre tantas, que cresceu lutando para sobreviver.
A virada na vida de Flávia foi aos 14 anos, quando um grupo de educadores sociais da Plan International Brasil passou em sua escola buscando interessadas em participar de um projeto que falava sobre empoderamento econômico. Destemida e sempre interessada em aprender, foi uma das cinco a levantar a mão. Em uma quadra isolada, a profissional da ONG explicou o que era o Geração, para o qual aquelas jovens estavam sendo convidadas. A estudante ainda não sabia, mas esse seria o projeto que mudaria completamente os rumos de sua vida.
O Projeto Geração é uma iniciativa que já passou por quatro cidades do nordeste do Brasil e transformou a vida de mais de 6500 meninas e meninos. Nas oficinas, educadoras da Plan trabalham com discussões e conceitos relacionados, principalmente, à Educação Financeira. Flávia e todos os demais que passaram pelo projeto aprenderam sobre a importância do planejamento do próprio futuro, de poupar dinheiro e de como gerir a vida para construir um amanhã sólido e sustentável para si e para suas famílias e comunidades.
Mas não foi só isso. Com aquelas jovens, ela começou a ter as primeiras discussões sobre empoderamento feminino, independência financeira e sobre as disparidades sociais e desigualdades no mercado de trabalho entre mulheres e homens. Nos encontros, refletia e discutia sobre essas questões junto aos seus pares e educadores da organização; em casa, na comunicade e em sua escola, multiplicava e passava adiante essas questões. Em pouco tempo e conforme foi se apaixonando pelas pautas, ia expandindo os horizontes de suas conversas e se tornando uma referência para seus colegas, uma liderança jovem de sua escola.
A garra de Flávia, somada à sua vontade de participar de mais projetos da Plan e à sua habilidade multiplicadora de engajar outras pessoas a discutir temas importantes, fez com que a jovem começasse a participar de outras iniciativas da organização. Depois de aprender sobre economia cotidiana no Geração, a estudante entrou para a Escola de Liderança para Meninas.
O projeto foi um divisor de águas em sua formação. Naqueles encontros, ela pôde enriquecer seu repertório teórico e prático, e ganhou mais insumos sobre o que significa ser menina. A partir de exercícios e reflexões que compartilhavam experiências de diversas mulheres (famosas e anônimas, de outros países e de sua própria comunidade), reconheceu-se como protagonista de sua própria história e como pessoa independente com a capacidade de gerir o futuro e transformar o local onde mora, melhorando a sua vida e a de outras meninas. A pauta feminina se tornou, definitivamente, um dos temas que passaram a fazer seus olhos brilharem e seu coração bater mais forte.
Para coroar sua formação na Plan, Flávia ainda participou do Plataforma Meninas no Poder. Num país onde menos de 20% dos cargos políticos são ocupados por mulheres, a iniciativa fez a estudante entender alguns dos meandros da política nacional e compreender a importância de haver uma igualdade de gênero nesses espaços, de mais mulheres ocuparem cadeiras hoje preenchidos por figuras masculinas. “As visitas durante o projeto me marcaram muito. A gente ia às secretarias, conhecia conselhos, assistia às assembleias. Era possível ver de perto uma realidade que, muitas vezes, nos é muito distante. O que mais me marcou foi estar em uma plenária e ver como funciona a aprovação de uma lei que influencia minha comunidade”, ela revela.
E como se não bastasse, a jovem ainda fez parte de uma das iniciativas mais ousadas desenvolvidas pela Plan em sua comunidade, o #MeninasOcupam. Por um dia, ocupou a Secretaria de Educação do Estado do Maranhão e, depois, o gabinete do prefeito de São José de Ribamar. “Percebi como é importante que mais mulheres estejam nesses locais. Quando você vê uma mulher naquele ambiente, você se inspira. Para mim, um homem não vivencia tudo o que a gente, como meninas e mulheres, passa todo o dia. É uma questão de representatividade”, resume.
A participação de Flávia na Plan International Brasil foi o pontapé inicial para sua carreira como representante dos interesses de sua comunidade. Prova disso é que, enquanto participava das atividades da Ong, foi eleita presidente do grêmio de sua escola por duas vezes, uma delas com mais de 90% dos votos. Em seu ambiente escolar, praticou o exercício de fazer política mediando as pautas e os interesses dos alunos para com os professores. “A nossa última conquista foi o monitoramento da escola. Aqui, a gente tem um grande problema que são os assaltos e furtos. A direção já tinha pedido câmeras, mas não havia conseguido. Então, eu fui com a diretora e o professor até o governador e solicitei, como grêmio, a instalação de câmeras. Uma semana depois, elas chegaram”, conta a menina, cheia de orgulho.
Aliás, as políticas públicas para jovens também estão na mira de seus interesses. Recentemente, Flavia demonstrou interesse em fazer parte do Conselho da Juventude de sua cidade, órgão na qual hoje é presidente e aberto a todos os munícipes que queiram participar. Como sempre sentiu que faltavam atividades para cidadãos dessa faixa etária, iniciou um trabalho para criar mais programas para esses públicos, como futebol de rua e aulas de zumba.
Pode parecer muito, mas todos esses projetos foram desenvolvidos em apenas quatro anos. “Sem a Plan, eu acredito que não teria essa postura política que adquiri. Foi dentro dela que consegui me politizar, adquirir conhecimentos para desenvolver o trabalho que tenho feito. Ela abriu bastante a minha cabeça: meu mundo era muito fechado e eu fazia apenas aquilo que me mandavam fazer. Quando entrei, me conheci de verdade e fui incentivada a querer saber mais sobre mim e sobre o que eu queria para mim”.
Para o futuro, Flavia almeja ocupar cargos na política a fim de mudar a realidade da sua comunidade. “Em todos esses projetos, estando próxima dessas pessoas, eu vi que é possível mudar a nossa realidade. O que eu quero hoje é continuar minha carreira como representando do povo, lutando para melhorar a vida de minha comunidade. Eu quero ser eleita vereadora e um dia ser eleita prefeita de São José de Ribamar. Ou melhor, eu quero ser eleita prefeita duas vezes e, por oito anos, fazer a diferença”, fala, num tom de quem já tem habilidade para discursar em um palanque. Com tanta força de vontade e garra, alguém duvida que ela vai conseguir?