11 de abril de 2022 - Tempo de leitura: 5 minutos
Após 2 anos de pandemia, crianças sofrem com defasagem no aprendizado, aumento da violência doméstica e queda na cobertura vacinal de outras doenças. Especialista analisa cenário e aponta caminhos para reparar o impacto provocado pela COVID-19
Após dois longos anos, os reflexos da pandemia podem ser sentidos em muitas frentes, mas, sem dúvida, a educação foi um dos setores mais impactados no país, especialmente na primeira infância. Estudo divulgado em fevereiro pelo Todos pela Educação com base na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, mostra que 40,8% das crianças entre seis e sete anos não foram alfabetizadas, índice que representa cerca de 2,4 milhões de estudantes. Esse é o pior patamar atingido pelo Brasil desde 2012.
Para Gezyka da Silveira, Coordenadora Nacional de Programas da Plan International Brasil, as crianças pequenas foram as mais afetadas na educação, sendo totalmente excluídas do acesso à escola. De acordo com dados da UNESCO lançados em setembro de 2021, mais de 117 milhões de estudantes estavam fora da escola no mundo todo. Em 2020, 20 milhões de crianças na educação infantil foram afetadas, incluindo as brasileiras.
“Falamos que a esfera da educação foi a que mais impactou as crianças, uma vez que a escola representa muito mais do que um espaço de aprendizado, mas também é o primeiro ambiente, depois da família, em que elas dão continuidade ao convívio social e onde recebem os demais estímulos necessários para crescerem com saúde e proteção. A escola é o espaço que faz a junção de vários aspectos da vida da criança, sejam eles físicos, emocionais, cognitivos, sociais, afetivos, dentre outros”, destaca Gezyka.
“O fato de terem ficado longe da escola por tanto tempo fez com que as crianças ficassem expostas, vulneráveis, o que impacta negativamente em seu desenvolvimento integral”
Gezyka da Silveira, Coordenadora Nacional de Programas da Plan International Brasil
É na escola que aprendem, interagem com outras crianças e adultos, que também serão referência para elas de cuidado e afeto (no caso de professoras e professores), além de ser um espaço onde brincam, se alimentam e se sentem protegidas. “Dessa forma, o fato de terem ficado longe da escola por tanto tempo fez com que as crianças ficassem expostas, vulneráveis, o que impacta negativamente no desenvolvimento integral e, consequentemente, no futuro”, reforça a coordenadora.
Em busca do tempo perdido
A inclusão das crianças de 5 a 11 anos na vacinação contra a Covid-19 foi o primeiro passo para a volta às aulas presenciais, sem deixar de lado os protocolos e as medidas de segurança.
Para esse retorno, é importante considerar uma busca ativa das crianças que estão fora da escola, pois muitas famílias ainda não consideraram essa retomada – muitas vezes por falta de orientação adequada sobre a situação.
Um ponto essencial é focar em reorganizar as escolas como espaços acolhedores para as crianças, com o fortalecimento de profissionais em suas capacidades, sobretudo com habilidades para trabalhar as questões socioemocionais com essas crianças que, certamente, retornam com outras experiências de vida. Muitas sentem medo, estresse, passaram por situações de violência e não receberam estímulos adequados nesse período essencial de suas vidas.
Vale também pensar em novas metodologias e tecnologias sociais que foquem na recuperação da aprendizagem perdida, bem como no desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Também é importante desenvolver ações de cunho integral e intersetoriais, considerando a criança e suas necessidades.
Os efeitos no desenvolvimento da criança
Segundo Gezyka, a pandemia pode comprometer todo o desenvolvimento da criança, afetando sua saúde integral (física, emocional e social) na infância e, consequentemente, na fase adulta. Em alguns anos, uma das consequências poderá ser um aumento no número de adultos inseguros e com capacidades limitadas.
“Sendo a primeira infância a fase primordial da vida, em que se estruturam todas as bases para o desenvolvimento integral do ser humano, é fundamental receber estímulos e interações saudáveis e adequadas. Caso contrário, esse indivíduo fica com o alicerce para o seu pleno desenvolvimento comprometido em todos os aspectos”
Gezyka da Silveira, Coordenadora Nacional de Programas da Plan International Brasil
Isso porque as relações e o convívio familiar baseados no afeto e nas práticas parentais positivas são essenciais para o estabelecimento e fortalecimento dos vínculos que irão marcar as experiências dessa criança ao longo de toda a sua vida. “Com a pandemia, houve uma alteração na dinâmica das famílias que trouxe isolamento social, desemprego, insegurança alimentar, mortalidade, estresse, sobrecarga de trabalho doméstico, principalmente para as mulheres, que ainda são vistas como as principais cuidadoras. Essas alterações afetam diretamente a vida e o desenvolvimento das crianças, que se tornam mais vulneráveis e suscetíveis às situações de violência”, ressalta a coordenadora.
Analisando o contexto geral, é perceptível que as crianças na primeira infância foram as que mais sofreram com os impactos causados pela pandemia, não em mortalidade, mas no que diz respeito às desigualdades em todas as esferas sociais (saúde, educação, assistência social), fundamentais para a garantia de um desenvolvimento pleno e feliz.
O impacto na cobertura vacinal
A pandemia da Covid-19 também gerou efeitos negativos na cobertura vacinal de outras doenças, que ficou abaixo do esperado e pode acarretar o reaparecimento de doenças erradicadas.
Dados do relatório da cobertura vacinal no Brasil, do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) mostram as imunizações de 2015 até 16 de maio de 2021. No período, o estudo apontou que a cobertura vacinal caiu nos últimos anos e está abaixo da meta do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Dentre os imunizantes, a vacina que apresentou maior queda foi a da hepatite B, com apenas 62,8% de cobertura.
“Para melhorar esse cenário é necessário retomar as campanhas e as visitações domiciliares com apoio dos agentes comunitários de saúde”, ressalta.
Isolamento social x aumento da violência doméstica
“O aumento da violência doméstica, principalmente contra crianças e adolescentes, também é uma outra implicação grave ocasionada pela pandemia. Embora os dados não apontem para tal, precisamos considerar que sem acesso aos principais canais de denúncia e vigilância, muitos casos são subnotificados”, explica Gezyka.
Com o isolamento social, as crianças ficaram protegidas do coronavírus, mas tiveram que enfrentar as tensões familiares, ocasionadas pela perda ou redução da renda familiar, a sobrecarga do trabalho doméstico e a falta de acesso aos serviços básicos. Com essa nova dinâmica, muitas vezes moldada pelas tensões dentro de casa, houve o aumento de casos de violência contra crianças e aquele ambiente que deveria ser referência de proteção se transformou em um lugar de violência.
“Diante de todos esses efeitos trazidos pela pandemia é difícil mensurar o tempo para recuperação dos impactos, até mesmo porque isso vai depender das respostas, tanto do poder público como da sociedade em geral. No entanto, temos certeza de que é urgente e necessário priorizar a primeira infância, faixa etária que mais sofreu diante dos impactos secundários da pandemia”, finaliza Gezyka da Silveira.